Há quem pense que viver muito é uma bênção. Se a pessoa se refere à vida em si: manter os olhos abertos e conseguir levantar um dedinho para que ninguém me considere morto e queira logo me sepultar e passar as mãos nas minhas coisas terrenas, posso concordar, mas está longe de ser algo feliz, porque não há nada de feliz em chegar a uma idade onde as pernas ficaram tão fragilizadas que não se consegue andar nem dentro da própria casa, ou as mãos que tremem e tremem, daí eu penso: vai ser bom bater uma, daí a mão treme e treme mas o bichano nem reage, a vida útil dele se foi bem antes da minha. Não tem nada de feliz em adquirir catarata, alzheimer, parkinson... É triste - muito triste! Porque esses casos não são exceções. Na verdade, eles são o padrão. Exceção é quem passa pela velhice sem esses problemas. É tão difícil que, se houver uma pessoa assim, ela pode se considerar uma verdadeira abençoada. Aí eu faço jus à palavra "benção".
Envelhecer é uma merda. Depender dos outros é uma merda. Perder a privacidade, perder a autonomia é uma merda. Perder a lucidez ou a capacidade até de limpar a própria bunda é uma merda. E o pior: não há o que fazer. A medicina está evoluindo bem. Que evolua mais. Só que tenho certas ressalvas. Vai evoluir para que possamos voltar a ter nossa autonomia, ou apenas para que possamos ficar anos e anos como trapos inúteis jogados em um canto? Se for para isso, eu dispenso, porque isso é pior do que a doença. A pessoa enferma, algumas vezes, morre é por causa do desgosto, do inconformismo sobre o que ela se tornou e a impotência cada vez maior que lhe toma conta. Viver mais, só que jogado numa cama e precisando de alguém até para me trazer um copo de água, pra quê?
Alguém pode dizer: "pense nos seus filhos, nos familiares queridos..."
Vixe, eles é que não querem mesmo! Ah, Ah, Ah!
Eles não veem a hora que se fechem de vez os olhinhos. Choram. Choram e pensam [jamais expondo boca afora, é claro]:
"Perdoa-me por ser tão filho da puta e achar que agora viverei melhor sem você. Perdoa-me por achar isso. Eu não queria me sentir assim, com esse alívio. Ai, meu Deus, qual é a senha do banco mesmo?"
Desejo a todas as pessoas de bem, que possamos ter uma boa velhice. Se partirmos antes, melhor ainda. Viver tanto, pra quê? Às vezes a vida fica tão ruim, que é a benção é, de fato, poder partir sem medo, sem pesar na consciência. As pessoas falarão: "descansou".
Aí passa um tempo, a gente está no além desconhecido, sem ver um milimetro do nosso corpo, vez que ele já se foi, não o temos mais, somos apenas consciência sem matéria nenhuma. Nossa carcaça jaz, largada e apodrecida, só os ossos na tumba repleta de vermes e baratas.
--- Deixe-me ver, no sonho de quem eu vou entrar hoje? Daquele filha da puta que me deve? Não dá. Ele se enche de rivotril.
Então você sente a energia de alguém que lhe chama e diz que você precisa mandar um recado e que é para ser breve.
--- Como assim? Recado? Pra quem?
--- Tem um parente seu que anda frequentando um centro espírita. Ele quer uma mensagem psicografada sua. O médium está pronto, mas você precisa me transmitir a mensagem para que eu entregue a ele. Ande logo!
--- Como se eu tivesse pernas. Diga-me aonde é, que eu mesmo irei lá, pela velocidade do pensamento.
--- Tá bom...
E durante a sessão, você chega no médium e faz questão de ser curto e grosso:
--- Cambada de vagabundos do caralho, quero que vocês me deixem em paz, será que nem depois de morto eu tenho sossego? Já foi um calvário ter ficado a vida iteira com vocês! Não quero passar a morte também, não! Vão tomar no cu!
E o médium escreve:
"Meus queridos, não sabem como é intenso o meu sentimento em relação a vocês. Gostaria de pedir para que vivam suas vidas como se não houvesse amanhã, aproveitem cada dia, cada momento, pois eu estou bem. Quando vocês se apegam em minha vida na Terra, eu fico mal. Se querem me ver bem de verdade, vivam com alegria e felicidade. Dessa forma, podem ter certeza de que estarei feliz. Amo vocês!"
O médium chama o povo para uma corrente de oração e então você diz:
--- Que bosta! Não fico nem mais um segundo aqui! Fui!
Brincadeiras à parte, esta postagem foi inspirada em uma outra, antiga, que li há alguns dias no blog do azarão. Logo após eu ter postado sobre a crônica ímpar (no melhor dos sentidos) da Raquel de Queirós a respeito do funcionamento do corpo na velhice, que o tio Dudu colocou no blog dele, Marreta me enviou um link. Cliquei e vi que era uma postagem sincerona, baseada na crônica igualmente franca e pragmática de uma colunista conhecida como "Xênia Bier", pseudônimo de Vilma Barreto: atriz, jornalista e escritora que viveu até Agosto de 2020. Quem quiser saber mais sobre ela, conhecida pela TV Mulher [famoso programa dos anos 80 na Globo] e as crônicas na revista Ana Maria, clique aqui
Para ver a postagem do Marreta, que incluiu a crônica da Xênia, clique aqui
E se você achou que esse o nome "Xenia Bier" o fez lembrar "Xana de cerveja", você deve ser tão pervertido quanto eu. Ah, Ah!
Um abraço e até a próxima!
Há, há, há! Gostei do médium fazendo a moderação da mensagem da alma penada. Médium moderado. Deve ser o JB.
ResponderExcluirMas é isso mesmo. Não que eu acredite em nada além dessa vida, mas se houver é eu estiver lá sossegado e um filho da puta me chamar, eu iria mesmo mandar ele tomar no toba.
Morei por alguns anos em um apartamento de frente para uma dessas casa de repouso e era muito triste ver aqueles velhinhos em cadeiras de rodas e andadores postos a tomar sol no alpendre todas as manhãs, como se fossem vasos de samambaias. Alguns até eram mesmo.
Viver até os 80 e tantos assim, melhor morrer hoje.
Ficam nessas casas idosos que a vida toda não tiveram nenhuma história de afeição familiar. Não desejo a ninguém essas casas, mas sabemos o quanto são necessárias, e muito!
ExcluirColoquei a parte do medium já imaginando que fosse gostar. Bom que acertei.
O JB não seria esse medium, não. Ele está mais para o ente à espera da mensagem. Até hoje tenho a impressão de que ele espera uma mensagem que nunca virá.
Um abraço ☕️
A dura verdade é que a maioria das pessoas não gosta de encarar essa realidade. Já conversei sobre isso com colegas, e nenhum admite que seus filhos não querem se preocupar com internações, remédios, cuidadores ou, pior ainda, limpar o cu de um idoso inválido.
ResponderExcluirFalando nisso, a Justiça do Trabalho já reconheceu que filhos podem ser responsabilizados por dívidas trabalhistas de cuidadores contratados pelos pais. Recentemente, soube de um caso assim: uma senhora com Alzheimer teve uma cuidadora que pediu quase meio milhão de reais em indenização. Acabaram fechando um acordo por 300 mil! Pelo menos, a idosa recebe uma aposentadoria de auditora e os filhos venderão seu belo apartamento após sua morte.
Pessoalmente, não quero que minha filha se envolva com minha velhice, caso eu viva o bastante (o que, sinceramente, espero que não aconteça). Meu plano é deixar claro que pretendo passar meus últimos dias em um asilo, sustentado com o que tiver de dinheiro – isso se ainda existir aposentadoria no futuro, o que também duvido.
O suicídio entre idosos é um tema pouco discutido. Casos célebres não faltam: Walmor Chagas, que enfrentava depressão agravada por limitações físicas; Alain Delon, que chegou a marcar uma eutanásia devido à idade avançada, mas faleceu antes; e, no Brasil, Antonio Cicero, que escolheu morrer na Suíça por conta de problemas de saúde decorrentes da velhice.
Enfim, vida longa? Dispenso.
Sobre Xênia Bier? Nunca tinha ouvido falar. Nome de guerra interessante.
Abraços!
É um paradoxo querer viver bastante, mas não viver como um vegetal. Talvez a sua filha fique com você a vida inteira. Estamos em tempos onde os filhos moram com os pais. E acho que pode ser até bom.
ExcluirEu me lembro de um youtuber que mantinha o pai vivo com uma coisa que fornecia oxigênio constante. Aonde ele fosse, aquela coisa o acompanhava. Ele tinha um(a) cuidador(a) tão atencioso que o casal de filhos desse idoso não aguentava mais os relatos do cuidador via zap, então um dia os dois irmãos concordaram em colocar o pai em uma dessas casas de repouso que tem enfermeiros e até um bom doutor. Em menos de dois meses, o velho empacotou. Adivinhe se não foi por descuido em relação ao oxigênio dele...
Por mais caras e confortáveis que sejam essas casas, elas cuidam da pessoa até um certo ponto. Elas não costumam manter um serviçal disponível apenas para o fulano, 24 horas por dia. Talvez, se ele tivesse mantido o cuidador na casa do pai, haveria uma boa chance de o velho ainda estar vivo.
Esses lugares costumam receber idosos que foram ruins ou complicados a vida inteira. Idosos que têm historico conflituoso de dor, pessimismo, até de violência. Não planeje estar em um lugar desses. É muito triste.
Fabiano meu caro amigo,
ResponderExcluirÉ tudo verdade: palavra
por palavra.
Mas faz parte.
Gosto de ler publicações.
sem filtro assim.
Li uma vez, porém
volto depois
para reler e comentar
mais.
Bjins
CatiahoAlc.
É. Faz parte. É interessante. Mas não é nenhuma benção.
ExcluirUm abraço, querida.