Vi no blog do tio Dudu uma bela crônica de Raquel de Queiroz sobre o corpo humano na velhice. Confesso que nunca tinha olhado para essa questão da forma mecânica, prática, realista e tão sóbria como ela fez em seu texto. Nunca tinha visto alguém colocar mais do que a papagaiada didática que tanto se ouve por aí. Raquel expressou um relato existencial do próprio corpo - linhas e mais linhas de pura lucidez e obviedade sobre sua propria vida como idosa, sem apelar para a religião ou algo similar. Eu sei lá, a forma como ela fez, achei ímpar.
Pena que eu o li ao final de um dia em que eu não estava nada bem.
Como é duro chegar ao começo do envelhecimento e perceber que a vida toda foi um amontoado de roubadas. Como é duro lidar com a realidade de que nunca consegui escapulir de algo simples, bem simples, como o fato de viver em outro lugar bem longe daqui.
É porque não é tão simples. Não para mim.
Eu olho a minha mãe, tantas coisas questionáveis que ela fez (para não dizer algo pior - não vou detonar minha própria mãe), e ela está como sempre, em sua realidade de sempre, com a personalidade e os valores tortos de sempre. Descobre um santo e cobre outro. Qual santo tem mais valor para ela? Sei lá. A essa altura do campeonato, a última coisa que quero fazer é analisar a trajetória inteira dessa mulher, mas coloquei-a nesta parada para que compreendam que às vezes penso que minha vida não é tão diferente, e talvez eu possa estar sendo até pior, pois a verdade é que, diferente dela, que a vida toda fez rolos e conflitos, se sacrificou e se sacrifica em nome dos seus trastes queridos, eu já não me importo com as pessoas mais próximas. Pelo contrário, ando em uma fase que as culpo por tudo. Fico me controlando para não surtar e berrar em fúria, em algum momento, porque isso não resolve nada e só vou expor palhaçadas que ninguém liga e só gostam de saber porque todo mundo parece que se atrai ao ver alguém desequilibrado dando um escândalo por causa de alguma coisa. Não adianta nada berrar ao falar de mim, como me sinto, apontar onde eu tinha expecttivas de que tal pessoa deveria fazer isto ou aquilo (o ínfimo) para me deixar um pouco contente ou aliviar minha carga. Não adianta, porque eu já fiz, várias vezes, e no fim das contas a gente passa por ridículo, malvado, desequilibrado etc. E nada se resolve.
Eu não espero mais nada da minha vida. É claro que sempre há pequenas esperanças de que algo aconteça a favor deste ou daquele objetivo. É claro que fico atento quanto a isso, mas não fico vivendo de acordo, querendo correr atrás, porque todas as vezes em que fiz isso, eu me prejudiquei. Sou o mestre em fazer escolhas ruins achando que foi a melhor coisa do mundo. E o problema do mundo é que ele não é um sonho onde a gente abre os olhos e aquela realidade deixa de existir. Eu sempre tenho me esquecido de meus sonhos. Acho até que nem sonho mais, pois eu me reviro bastante na cama, no meu colchão que precisa ser trocado com urgência. O mundo não é um sonho. As porcariadas que você faz, você vive. Ah, você vive! Querendo ou não, você vai viver cada merda que você fez, na marra! Não tem essa de livre arbítrio. Livre arbítrio é você raciocinar se quer fazer as suas merdas ou não. Ninguém o está obrigando. Viver a consequência da sua decisão não inclui o livre arbítrio, pois ele acaba justamente no momento em que você se posicionou.
Então, quando li o texto da Raquel de Queiroz falando de sua longevidade e do quão incrível que é o nosso corpo funcionar ininterruptamente por mais de oitenta anos, eu não senti nenhum pouco de alegria e conforto, pois, se pudesse, eu já teria ido embora há muito tempo. Viver oitenta anos na realidade em que estou, amargando meus erros - os erros de minhas escolhas, os erros de meus pais, os quais também acabo pagando, os erros do meu companheiro que também recaem sobre mim -, todo santo dia, tendo que ser compreensivo e sempre me conformar com exatamente ninguém conseguindo aliviar o pesar da minha vida. Viver oitenta anos desse jeito? Para quê? A minha vida só está piorando. E piorará mais quando, um dia, meu companheiro e minha mãe não estiverem mais aqui. Ninguém vai me socorrer em uma enfermidade, vou morrer solitário, talvez à mingua, talvez ninguém nem saiba. Até lá, amargarei mais e mais dias de dissabores, dias que poderiam ser bem melhores do que realmente são.
Eu acredito em Deus, mas não consigo acreditar nessa persona religiosa que todo mundo acha que é Deus. Deus para mim é algo tão abstrato que é impossível definir, então está muito longe de ser humano. E Deus tão pouco tem a magia de fazer algo por mim, vez que eu sou apenas mais um grão de areia no meio da imensidão da qual lhe é artribuída. Então tá, no meio de um universo inteiro, Deus vai conceder uma enorme graça ao Fabiano? A-ham. E Deus ama tanto seus filhos que os colocou na Terra, um planeta fodido, para viver uma vida de merda. E têm que viver. Não têm escolha. Mas Deus ama nós todos. Ao mesmo tempo, vem a figura de Jesus e mostra que o problema não é o planeta, é o próprio ser humano. Jesus veio para mostrar que a vida do homem é uma merda por causa dele mesmo. Criaram a sociedade alicerçada no poder e na ganância. A justiça nem sempre é verdadeira, ela às vezes é simplesmente conveniente, e o povo aplaude e incita a isto. Escolheram Jesus, em vez do bandido que todos conheciam, para ser penalizado. Lembrem-se disso. Pedro, um dos discípulos mais honrosos, negou que o conhecia. Judas facilitou para que o pegassem. Mesmo com ele fazendo os tais milagres, mesmo com ele proclamando mais amor, menos preconceito, menos pecado. Então a gente vê que Jesus veio mostrar que a nossa vida é uma merda porque a humanidade é a própria personificação de todo o mal. Eu não li a bíblia, mas é o que assimilo de Jesus, do pouco que conheço sua trajetória, pois eu penso, reflito, raciocíno, então chego a essas definições.
E vamos seguindo em frente, porque a vida segue sempre em frente. Ela não dá uma paradinha ali do lado, esperando a nossa vontade de ir com ela, não. Um abraço e desculpem alguma coisa.
Post da Raquel de Queiroz no blog do tio Dudu - é interessante.
Tantas ponderações que levaria linhas e linhas para comentar. Em resumo: não faço questão de viver muito, mas espero ter uma morte rápida, sem sofrimento. E que veja minha filha adulta.
ResponderExcluirSobre: "Eu não espero mais nada da minha vida". Idem.
Abraços
Não quero ficar [mais] demente a ponto de precisar de alguém para tomar conta. Espero que um dia eu consiga finalmente viver sozinho em paz, em um outro lugar. Não terá graça nenhuma fazer da solidão uma prioridade, pois viver sozinho pode ser muito bom aos 30, 40, até 50 anos, mas aos 55 ou 65 já não é lá essas coisas, pois vou desfrutar do quê? De gritar em paz quando tiver cãibra na panturrilha durante a noite de sono? Tem coisas que podem ser essenciais durante uma vida inteira e tornar-se indesejáveis na maturidade. Imagine você ficar doente, acamado, ou cair e ficar gravemente ferido, então não ter ninguém para ajudá-lo porque, afinal, você vive realmente sozinho.
ExcluirUm grande abraço, meu caro
"Como é duro chegar ao começo do envelhecimento e perceber que a vida toda foi um amontoado de roubadas."
ResponderExcluirDeve ser triste mesmo, porém, quem pode dizer que chegou ao começo do envelhecimento sem ter amontoado algumas roubadas? Uns mais, outros menos.
"Eu olho a minha mãe, tantas coisas questionáveis que ela fez.."
Por melhores pais que sejamos, nenhum filho, creio nem o meu, não achará algo questionável em seus pais. Nos meus, já falecidos, encontro vários, porém para mim foram os melhores pais do mundo. Quem nunca não faz nada questionável?
"Não adianta nada berrar ao falar de mim, como me sinto, apontar onde eu tinha expecttivas de que tal pessoa deveria fazer isto ou aquilo..."
Não adianta mesmo. Isso é busca desesperada por atenção e o caminho melhor não é esse.
"Eu não espero mais nada da minha vida. É claro que sempre há pequenas esperanças de que algo aconteça a favor deste ou daquele objetivo.."
Bem, isso é coisa bem pessoal. Não há ninguém que possa legitimamente dizer que você PRECISA esperar muita coisa ainda da vida, já que ainda é tão jovem. O que você precisa, creio que só você deve saber.
"Sou o mestre em fazer escolhas ruins achando que foi a melhor coisa do mundo"
Bem-vindo ao clube...
"O mundo não é um sonho. As porcariadas que você faz, você vive"
Creio que você entende bem o que é o mundo. E digo mais: o mundo, o universo, não está nem aí para você nem para mim nem para ninguém. Mas é absolutamente certo que nossas escolhas nos definem e nos colocará em tal ou qual situação no futuro. Mas sabe o que é melhor (ou pior)? Não há garantia alguma que boas escolhas nos deixem bem no presente ou no futuro, já que nossas escolhas sempre serão afetadas por terceiros, sejam pessoas, sejam situações.
"..se pudesse, eu já teria ido embora há muito tempo..."
Não estou sugerindo nada, mas isso também não deixa de ser uma escolha. Mas se você ainda está aqui, é porque de alguma forma, ainda acredita que a vida merece ser vivida.
"A minha vida só está piorando. "
Uma afirmação bem trágica e determinista. Quer dizer que sua vida, inexoravelmente, só tem a piorar nos próximos anos? Você está absolutamente certo disso? Se está, lembre-se das escolhas. Escolha mudar sua vida naquilo em que você pode mudar.
Quanto a Deus, nada tenho a dizer. Quanto a Jesus, foi um grande cara, tão grande que muitos o declararam "Deus". Se gosta do personagem, leia mais os 4 Evangelhos, são leituras bem proveitosas. O livro de provérbios de Salomão também é uma ótima pedida assim como o livro do Eclesiastes, um livro bem pé no chão, realista, mas com um visão otimista do futuro.
Desculpe a palestra, mas seu texto me levou a isso.
Muito obrigado, eu gostei muito do seu comentário-palestra. Sobre o mundo estar cagando e andando, eu sei. Se eu fosse colocar muito sobre isso, a postagem ficaria enorme. Sobre minha vida estar piorando, se saber o que vem pela frente é determinismo, então é isso mesmo.
ExcluirObrigado ❤️ Boa semana